domingo, 19 de junho de 2011

Um beijo verde


 
Quando fui trabalhar num horto botânico vi que todas as noites, por entre as árvores, vinham os vaga-lumes à procura de uma fêmea. Passavam horas piscando e nada. A cada plantão, ao anoitecer eu reduzia as luzes, todas, para que eles pudessem encontrar as suas fêmeas. Eu imaginava que o chão daquele horto era repleto de fêmeas e logo, logo, após os encontros, macho e fêmea, o chão  ficaria aceso de pupas porque as pupas dos vaga-lumes não piscam, ficam acesas como uma lâmpada verde. 
 
Entanto observei que era uma procura em vão. Até a porta da estufa eu abria e eles entravam, davam voos rasantes, mas nenhuma piscadela vinha do chão ou de alguma folha. As fêmeas não tem asas... Por isso sobem em algum galho, alguma folha para facilitar a procura.
 
Os vagalumes desistiram de sobrevoar o horto, voltei a deixar as luzes acesas, mas no Dia dos Namorados, a lua bem no alto da cabeça, vi uma luz verde vinda de um penacho de coqueiro adolescente. Era uma fêmea de vagalume. Voltei a navegar às escuras. A luz dela ficou mais verde. Às vezes fico imaginando se a sarça ardente que não se consumia não era um bando de vagalumes perdidos no deserto e que Deus se aproveitou dessa maravilha de algumas infâncias para atrair Moisés. 
 
Outro dia na universidade ouvi uma estudante dizer que seu tio lhe trouxe do alto de um monte, pela madrugada ainda escura, um graveto aceso. Fiquei sabendo que o monte chamava-se Monte Sinai e ficava em Mesquita. Em outros montes também Deus acendia o chão, as folhas, os gravetos. Muitos evangélicos que tem o costume de passar a noite nesses montes orando, desciam glorificando a Deus, dizendo que pegavam brasa nas mãos. Brasas que não queimavam. Brasas santas. Uma noite fui a um desses montes na companhia de muitos cristãos para pegar brasas nas mãos. O monte, à meia noite, lá no alto, de fato acendeu. Muitos desencavavam as brasas e as colocavam nas mãos. Puseram brasas nas minhas, trouxeram-me graveto aceso, folhas acesas, uma maravilha terrível porque eram pupas de vagal-umes da qualidade “terrícola” cujo brilho é constante e se alimentam de pequenos pedaços de madeira, folhas... E que estavam sendo destruídas. Naquela noite, naquele alto, tão alto, pensei em desfazer o engano, mas lembrei que quase precipitaram Cristo do alto de um monte por falar certas verdades. Não desfiz o engano por questão de sobrevivência, mas agora escrevo sobre o assunto para salvar aqueles vagal-umes. Quando Deus acende um graveto, ele fica aceso no escuro e no claro e o graveto que o tio da universitária trouxe a ela, apagou quando ela acendeu a luz. Eram pupas de vaga-lumes.  
 
Mas achei que viria uma manada de vaga-lumes atrás daquela fêmea. Fiquei esperando um possível encontro naquele dia especial. Daria para escrever uma crônica. Não veio ninguém. A resposta já estava no penacho do coqueiro que apesar de adolescente estava cabisbaixo desde o primeiro piscar. A fêmea parou de relampejar e resolvi voltar para dentro e exercitar a escrita quando ao dar um passo ela piscou. Experimentei dar mais um passo e ela piscou de novo. Voltei os dois passos e estendi a mão para a folha do coqueirinho e ela desceu pelo braço, passou para a barba, chegou à minha boca, piscava e já não estava só.   

*crônica do dia 12 de junho de 2011

terça-feira, 14 de junho de 2011

Jato Sólido




No esguicho da mangueira de apagar incêndios, usada pelos bombeiros, há o jato sólido, a neblina de alta e a neblina de baixa. Há muita gente com o salário em neblina de baixa. O Bolsa Família é uma neblina de baixa se comparado não aos governos anteriores, mas ao volume de riqueza que entra no país. Só um jato sólido acabaria com a miséria.

Na semana passada os jornais trouxeram uma notícia, em neblina de baixa, que tinha uma decisão contemporânea para um fato antigo, bem antigo: o uso de subalternos, pagos com dinheiro público, como faxineiros e cozinheiros em casas de generais, coronéis, vice e contra-almirantes?

A Justiça se manifestou: “Justiça proíbe militares de fazerem tarefas domésticas para oficiais. A decisão é da 3a Vara Federal de Santa Maria (RS) e vale para o todo o país.” Ainda na notícia vinha a afirmativa de que “Nas Forças Armadas ninguém faz qualquer oposição”. Mas nem os constrangidos? Por quê?


Fiquei esperando o resto da semana para ver se alguém mais comentaria o fato. Comentaram no rádio e Carlos Heitor Cony até que saiu com uma neblina de alta sobre o assunto, mas não chegou ao jato sólido. Também! Ambos Cony e Viviane Mosé estão perdoados. Não foram soldados. Cony ia ser padre e Viviane vivia nos consultórios clinicando seus pacientes de psicologia antes da filosofia, mas eu, eu fui soldado e vi os peitinhos da filha do comandante tomando banho na piscina da sua casa e cheguei oficial sem a mínima condição de ser... Fui um taifeiro de sorte. Ah se todo constrangimento fosse esse...

Na ação em que os autores são os Ministérios Públicos Federal e Militar, entendeu o procurador da República que outra situação foi levada em consideração: “O constrangimento a que esses militares são submetidos”. Eu diria um constrangimento proveitoso. Muitos desses taifeiros, mecânicos, empregados domésticos, como queiram, receberam alguma felicidade. Daí o silêncio? A felicidade de não estar numa escala de serviço apertada de 2X1, das pesadas faxinas nos navios ou quartéis já é uma felicidade.
Vale dizer aqui a máxima que os Ministérios Militar e Federal atiraram no que viram e acertaram no que não viram. Olha se há tanto tempo isso acontece por que o interessado direto, o soldado, taifeiro, mecânico, nenhum deles reclamaram? É que alguma felicidade eles recebiam.

Vou contar uma lenda: no tempo em que os almirantes chegavam a Ministro, havia na terra de Uz certo almirante que era Ministro da Marinha. Na casa desse almirante trabalhava um pobre e constrangido taifeiro que já havia chegado a cabo e o seu grande sonho era ser oficial, mas o interstício de cabo para sargento à época era de 3 anos e mais 3 anos de sargento para fazer a prova para o oficialato, totalizando 6 anos. Num tempo em que a velocidade era preconizada e, já em curso, isso era esperar demais.

Um dia abriu, uma única vez, na Marinha, prova para oficial, e que os cabos, além dos sargentos, estavam autorizados também a fazer essa prova. Não se espantem porque já houve lei no nosso Brasil, uma Lei de Divórcio, que vigorou por um dia, apenas para beneficiar um parente de Getúlio Vargas...

Mas lá estava Jó, o nome do nosso cabo taifeiro é Jó, sofriiiido, coitado, com aquela luz brilhando para ele. Inscreveu-se. Fez a prova. Sem nenhuma condição de ser aprovado. E de todo o efetivo de cabos da Marinha do Brasil que prestou concurso para oficial, só um cabo passou: O cabo taifeiro que trabalhava, muito constrangido, na casa do Almirante-Ministro. Cabo Jó, que sofreu um inferno nas mãos da família do almirante, vejam como era terrível ficar vendo os peitinhos da filha do comandante na piscina, mas saiu de lá oficial.

Outro Motivo que justificou a ação civil pública era que são “submetidos a constrangimentos e suas atividades influiriam nas avaliações do militar, que teria a promoção retardada e seria submetido a inspeções de saúde mais frequentemente do que os demais.”

Como o leitor viu na minha lenda marinheira, não há retardo, mas avanço na promoção de soldados, marinheiros e fuzileiros incapazes. Como estamos aí com este incêndio dos bombeiros, muitos, só Deus sabe como passaram na prova para sargento. E vejam: virar uma laje da casa de um capitão bombeiro no final de semana, por exemplo, pode resultar em uma semana de licença paga pelo erário. Bombeiro é fogo!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Oficina de crônicas na IFRJ

-Divulgação I Colóquio de Políticas Culturais da Baixada Fluminense

Graças aos grandes esforços do Grupo, o Colóquio recebe destaque e grande repercussão nas mídias!!

Links:


esperamos a participação de todos!!

Oficina de Crônicas

    De imenso prazer, recebemos como convidados para nossa Oficina de Crônica o profº Cândido Rafael (IFRJ) e o escritor Claudio Alves, conhecido com Lasana Lukata (escritor por usucapião, como autodenomina).
    Ao comentarmos a significação da palavra crônica, discutimos sua função principal do relato cronológico do cotidiano que nos situa e/ou nos cabe um pouco à imaginação. O cômico/irônico muito presentes, aproxima o leitor de forma leve e ainda assim opina com clareza as seriedades da vida.
    Há de se apontar que as fronteiras entre os gêneros literários estão mais tênues, permitindo assim o uso dos textos com características mais pessoais de quem se aventura a escrever. A publicação de livros debandou em parte para os perfis virtuais com a ascensão da internet, democratizando a leitura com maior intensidade e permitindo maior grau de expressão.
    O blogs nos dias atuais portam-se como agentes potencializadores da divulgação dos trabalhos ao grande público, fixando uma das principais funções das mídias que é o compartilhamento de idéias.
    Nossa primeira crônica é datada de 1500, quando Pero Vaz de Caminha relata o “Achamento” do Brasil. A mistura de jornalismo e literatura, aliada aos fatos cronológicos registrados e vivenciados por Vaz de Caminha, enquadram a “Carta” no estilo literário.


leitura dos textos "Governo rosa: uma anilina no
salário" e "As moedas de 5 centavos"
    Falemos um pouco sobre nosso convidado, Lasana. O escritor interpreta a denúncia da realidade nas suas crônicas. Admirador do memorável escritor Lima Barreto, aluno de Machado de Assis comenta o fato da “denúncia pela denúncia” como apontamento dos que não compreendem a real intenção de suas escritas tão intensas; ainda que de linguagem coloquial, o que facilita sua leitura dinâmica e sucinta. Com nome artístico africano, o escritor justifica a escolha pelo fato de homenagem a sua avó, grifando assim a categoria de importância a valorização da identidade de cada um de nós brasileiros.



terça-feira, 17 de maio de 2011

Linha D'água

Um navio com as quatros âncoras arriadas

é um quadrúpede do mar

ruminando sorvidas águas

do hospício do luar

quem diria minha vida

de azul se equilibrar.

recolhidas as âncoras

um navio é uma serpente sem jogo de cintura

e tudo isso cabe no bucho

só não cabe que o navio

é seguro pelo empuxo

abaixo da linha d’água

são os peixes, trabalhadores,

que carregam os navios nas costas





Moça com Laranja

                                                                                              Dioniso III

vai faltar no mundo água potável

então Adriana, deixa-me ser teu Adriático

extático banhar com beijos tua boca de jambo

descer das tuas partes altas

como os extintos laranjais da minha cidade

e cobrir com uma manada de laranjas

as extensas planícies do teu ventre

branco flor de laranjeira

flor perfume para a vida inteira

passa moça no meu rosto

estas franjas e as laranjas dos teus peitos

e não te assuste os espinhos desses laranjais

só se inclinam pra pescar no poço do teu umbigo

no fundo de ti

os frutos de tua árvore submersa que em conversa não florescem

há poetas, Adriana, que saem às ruas para colher poesia das coisas

e de repente é a vida quem arranca um poema da gente

vê, a tua razão me chama de senhor

mas a emoção murmura: meu amor

e por debaixo do lençol

lá fora uivam as lobas teu bemol

ordenha, Adriana, as laranjas desse pomar

são tuas mas nem precisa

elas se derretem suco sobre ti

ordena moça

e essas loucas laranjas indisciplinadas

seguirão após ti

uma a uma

numa fila indiana

e Adriana,

deixarão de ser indisciplinadas

deixarão de ser até laranjas

mas a loucura por ti

é incurável




segunda-feira, 16 de maio de 2011

Yoga

boquiaberto

com a técnica oriental

de se olhar por dentro

o capitalista percebeu que tinha coração

e assim começou a venda de órgãos

Vigia de Mar

 


eu jogava tintura Márcia

no bigode branco do navio

e o tempo passava ao largo

distante da proa e de mim
 
 

À maneira de Fernando Pessoa

do bolo desta vida

nunca se quer o pedaço pequeno

mas do bolo desta vida

sempre me deram o pedaço pequeno

e por que nessa vida um tem que ficar

com o pedaço pequeno?
 
do boldo dessa vida

sempre me deram o pedaço grande

embora eu preferisse

o pedaço pequeno

Dioniso II

uso sapatos até serem navios adernados

- dói a coluna

mas preciso da certeza de que em mim

a poesia caminhou

Dioniso

                                                          
meus olhos são dois cavalos rebeldes

que de repente disparam pra longe

e regressam com as patas sujas de versos

CANÇÃO PARA ISABEL E BEIJA-FLOR



um dia em que não precisava estar ligado o ar

a biblioteca abriu as janelas e por uma delas entrou um beija-flor.


pousou sobre Pablo Neruda 20 Poemas de Amor e Uma Canção
Desesperada.

tivesse cérebro o beija-flor, Isabel, teria vindo àquela noite de inverno e pousado em Neruda,

mas teria vindo nessa primavera

em que as mangas se arredondam do tamanho dos teus seios
e o rastejante lodo sobe as árvores para vê-la

dos vários pontos de vista deslizando entre as estantes.

teria vindo hoje, Isabel

e pousado nos teus lábios cheirando a flor

e teu riso progrediria como obra de uma igreja pobre

Fósforo

o fósforo brilha porque se rala na aspereza

embora andando na Presidente Vargas

e avenidas do meu país

vejo fósforos

que ralam ralam na aspereza e não brilham

não conseguem sair da caixa

e dos que saem

muitos se quebram no caminho

perdem a cabeça

em vez de para a frente ralam-se para trás

ou não se mantêm longe da umidade

como recomenda a caixa

ah, fósforos!

que por ficarem perto do calor brilham cedo demais!

existe a hora para um fósforo brilhar...

existe a hora para um brilhar?
 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

governo rosa: uma anilina no salário

Constrangedor... Com esse salário só dá para entrar no botequim e dar de cara com aquele ovo rosa e aquele torresmo cabeludo na vitrine, reclama Alessandra. Quem entrou na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, deu de cara com um palíndromo. Palíndromo é a frase ou palavra que se pode ler,indistintamente da esquerda para a direita ou vice-versa. Vem do grego palíndromos: que corre em sentido inverso, que volta sobre seus passos. “Roma me tem amor” é um dos muitos exemplos que temos. O palíndromo também é verificável em outros línguas: “nun” na alemã. A frase “A mala nada na lama” de Millor Fernandes é um palíndromo; a palavra ovo é outro palíndromo. Agora o ovo rosa de anilina que vende nos botequins é palíndromo duas vezes: ovo e anilina. Isso não é aumento, é uma anilina no salário. Mas não é só frase ou palavra que podem ser palíndromos. A vida tem os seus palíndromos. Veja-se o caso de Senaqueribe que seguiu caminho para invadir Israel e voltou pelo caminho que veio, conforme a profecia do profeta Isaías em 2 Reis 19: 28: “...porei o meu anzol no teu nariz, e o meu freio na tua boca, e te farei voltar pelo caminho por onde vieste.” Há muita gente por aí, dando dois passos para a frente e dois para trás. Toda a minha vida foi um palíndromo. Os números também podem ser palíndromos. O número 242 é palíndromo. Na verdade eles chamam não de palíndromo, mas de capicua. Entanto, são nomes diferentes para um mesmo fenômeno. Carmen Miranda morou no número 13 da Travessa do Comércio e encostado ao sobradinho em que ela morou, outro sobradinho tem o número 11, esse é palíndromo, pois tanto faz entrar na Travessa do Comércio pelo Arco do Teles, na Praça XV, como pela Rua do Ouvidor que o 11 será sempre 11. Mas o caso do novo salário mínimo, 545, aprovado pela Câmara de Gás, digo, de deputados, para desfelicidade do trabalhador é um palíndromo. Tanto faz ler da esquerda para a direita como da direita para esquerda que o salário vai continuar na mesma: 545. Há os que disseram que esse palíndromo de 545 não coloca em risco a economia do país; outros disseram que é o que é possível dar. Pois me deram um palíndromo. Uns dizem que o palíndromo é inútil, outros que o palíndromo facilita a memorização. Se facilita, o trabalhador nunca mais vai esquecer esses: R$545. O governo já começa marcando a história desse país, pois nunca tivemos um palíndromo como salário nem um governo rosa. Já a anilina é nossa velha conhecida. O governo tinha como dar mais do que um palíndromo aos trabalhadores. Neste século XXI, não se pode mais ficar restrito ao orçamento anual para dar aumento de salário, temos que levar em conta o orçamento PIB + inflação, somado aos bilhões da corrupção em nível federal, estadual e municipal. Temos que ser pragmáticos... Há outra analogia entre o palíndromo e o novo mínimo: o constrangimento. O palíndromo faz parte de uma técnica literária cujo nome é escrita constrangida, isto é, não pode fugir ao padrão determinado e o mesmo se dá com a votação desse novo salário, não pode passar de 545. A diferença é que na literatura constrangida, os constrangidos são aplaudidos, na política são vaiados. Rômulo Marinho, palindromista brasileiro, propõe classificar os palíndromos em Expliciti, Interpretabiles e Insensati. Expliciti são palíndromos que trazem uma mensagem direta, clara inteligível, “socorram-me, subi no ônibus em marrocos”; Interpretabiles são palíndromos que têm coerência, mas requer esforço intelectual do leitor para serem entendidos com "A Rita, sobre vovô, verbos atira."; Insensati são palíndromos que apenas unem letras ou palavras sem levar em conta o sentido. Olé! Maracujá, caju caramelo. Com esse palíndromo que o governo obriga o trabalhador a receber, penso que deveríamos acrescentar à classificação de Rômulo Marinho uma nova classificação para os palíndromos numéricos como este de 545: palíndromo ridiculus. É palíndromo ridiculus se comparado aos bilhões que correm no mundo da corrupção; é palíndromo ridiculus se comparado aos vencimentos daqueles que podem aumentar seus próprios salários, protegendo-se da inflação. Quem disse que ela acabou? Na vez do povo: palíndromo ridiculus. É irresponsabilidade fiscal. A votação na câmara seria palindrômica se a vitória dos 545 fosse por 333 ou 353 ou 363 ou 444 votos, mas foram 361 votos a 120, rejeitando os R$560 e 376 rejeitaram os R$600. Se bem que poderíamos obter um palíndromo a partir destes 361 e 376, contudo, teríamos que fazer umas continhas e aqui não é matemática, é Literatura. Dependendo do cronista, crônica é Literatura.
Olhando essa lista de votação do novo mínimo na internet, vejo nomes de dois Palíndromos que votaram a favor do palíndromo 545: Ana e Natan. Pois é... Algo melhorou nesse país, na ditadura era “Prendo e arrebento”, agora é a Palindromocracia ou A Era dos Contrangimentos. Para quem acompanhou aquela votação cabeluda, um torresmo cabeludo não é nada mal... Vai um torresmo cabeludo?!

domingo, 8 de maio de 2011

Inefável

O impossível coice de um cavalo-marinho

Abriu a ostra onde havia pérola

E se eu não tivesse naufragado

Jamais veria esta cena

E não teria este colar de ilusões

Para aliviar a aspereza destas noites nervosas em que o

poema não vem

Ou rebenta ao mínimo ruído como se fosse solitária

E o que deveria ser tudo metros mais de quinze

No papel é pouco milímetros quase nada

E em mim fica presa uma enorme madrugada

Inefável indizível cá por dentro deformada

El hombre de las manos brillantes

                                                                                                                            à Julia Liers


como una rebaba de un engarce

que prende las piedras preciosa

quiero prenderte en mis versos

porque rebaba no es sólo el sobrante

mas dedos que se doblan

sobre la piedra preciosa para prenderla

tú eres una piedra preciosa

y quiero doblar mis dedos sobre ti

y yo seré el único en ese mundo

a tener una estrella en un engarce

una estrella de cabellera negra


una estrella que baja a los más humildes versos para leerlos


una estrella que dejará mis dedos se doblaren sobre ella

una estrella que se agregó a su engarce


como una espada cuyo puño camina junto y lejos de la punta

como un barco cuya proa y popa están juntas y alejadas

pocos son barcos y espadas singlando por las tardes

pero nosotros caminaremos

barco espada

nao y capitán

dígrafo inseparable                                                  

y yo seguiré así, cariño:

con estos dedos que te prenden y hacen versos

con mis manos brillantes sólo de tocar en ti

Conciso

o poeta no supermercado

empurra um carrinho vazio

entre gôndolas verdes

na esperança de que ao menos uma faça bem aventurada.

porém, obediente aos tempos difíceis

o poeta não esbanja economiza

e sem ser avarento

vai empurrando o carrinho

atropelando a lógica

sentindo a emoção e a força de empurrar o vazio

este substantivo abstrato

tão concreto dentro de mim

Separação de sílabas




na sala de aula

quando a professora perguntava

como era a minha família

eu dizia que era um tritongo

havia cigarra

dançávamos jongo

mas a mãe se foi

a cigarra morreu

a dança acabou

a tristeza invadiu

meu pai e a mim

e viramos ditongo

mas veio a madrasta

que teve três filhos

me jogou num hiato

e fiquei feito um i

em ICARA-í

à Júlia Liers





                                                                                                   




Tarde de transfusão

que para não te espantar

virava garça

e a mão

um ancinho de ternura

saneava palavras a serem ditas

e juntava teus cabelos num canto do ombro

para beijar-te no pescoço fingidamente desnudo

um jardim em estado líquido gasoso

enquanto o rio associado aos teus lábios de batom

incendiava-se de flamboyants

transbordando um vermelho varrido pelos olhos

para dentro de um peito sem sangue

e a vida refluía

e eu voava

capinava peixes no rio

e por mais que os arrancasse pelas raízes

feéricos

renasciam feito capim

feito um sonho


Epifania


                                


                                            (2ª intuição)

uma fúria suave de buganvílias oferecendo-se às calçadas

por entre as grades das casas pelas tardes de inverno

buganvílias de ramos arqueados e retos

e passa a menina enamorada

e o rapaz lhe põe um cacho no cabelo

passa outra menina e se fotografa ao lado delas

os meninos as levam ao pique-bandeira:

bandeira branca, lilás, salmão, alaranjada...

do alto a garça crepuscular, visão binocular
da paisagem se alimenta.
tardes de inverno

por que logo hoje para fora das grades

esse único e reto ramo de buganvília vermelha

uma espada ensangüentada

que acabou de sair do meu peito?


Epifania




uma fúria suave de buganvílias oferecendo-se às calçadas

por entre as grades das casas pelas tardes de inverno

buganvílias de ramos arqueados e retos

e passa a menina enamorada

e o rapaz lhe põe um cacho no cabelo

passa outra menina e se fotografa ao lado delas

os meninos as levam ao pique-bandeira:

bandeira branca, lilás, salmão, alaranjada...

do alto a garça crepuscular, visão binocular
da paisagem se alimenta.
tardes de inverno

por que logo hoje para fora das grades

esse único ramo de buganvília vermelha

reto como uma espada ensangüentada

que acabou de sair do meu peito?

teclas

Uma mulher carrega teclas escondidas sob a pele
e exala música se tocada com ternura

tobogã

Meus olhos são dois meninos
                       
brincando de escorregar das

Tuas


            Espáduas

                             Seios
                                       

                                                      Até    

                                                

                                                                             Os                  


                                                                      
                                                                                                           Pés

Minha avó

Eu nunca vou me esquecer

Do negro tirando o olho da cana

E o branco arrancando o olho do negro

Do negro tirando o branco da cana

E o branco arrancando o branco do negro

Do negro querendo o olho na cama

E o branco arrancando o sono do negro

Do negro pegando um pouco de cana

E o branco arrancando os dentes do negro

Do negro gemendo moenda de cana

E o branco sorrindo do canto do negro

Do negro pedindo um pouco de chama

E o branco tostando a pele do negro

Da negra e avó deitada na cama

E o branco e avô batendo na negra

Da negra doente saindo pra rua

E o branco e avô saindo pro bar

Da negra e avó caindo na rua

E o branco e avô caindo no bar

Da negra e avó dormindo na rua

E o branco Joaquim dormindo no bar

Da negra e avó despertando na lua

E o bronco Joaquim esperto no bar
À maestra Patrícia Aniceto



tu nombre tatué en el águas del mar
     
y para verlo

piso en el águas cómo quien pisa en un botón

y un pelotón del caballos-marinos si yerguen

cómo un pelotón eléctrico

y en sincronía boya tu nombre coloreado

ni erguido ni arqueado mas erecto

caballo-marino

porqué la vida es para ser erecta

un nombre cubierto de azul de algas y sol

y que dejan los pájaros de bucear en el águas del mar

para tuyo nombre deletrear en los altos cielos a sus hijos

tuyo nombre subrayado de piscis rojos

un nombre que es mi pátria:

Patrícia

y si en breve Patrícia

tú pisar en el águas

y tu nombre no boyar más

yo no dejé de te amar

fueron ellos que mataran los caballos-marinos