domingo, 19 de junho de 2011

Um beijo verde


 
Quando fui trabalhar num horto botânico vi que todas as noites, por entre as árvores, vinham os vaga-lumes à procura de uma fêmea. Passavam horas piscando e nada. A cada plantão, ao anoitecer eu reduzia as luzes, todas, para que eles pudessem encontrar as suas fêmeas. Eu imaginava que o chão daquele horto era repleto de fêmeas e logo, logo, após os encontros, macho e fêmea, o chão  ficaria aceso de pupas porque as pupas dos vaga-lumes não piscam, ficam acesas como uma lâmpada verde. 
 
Entanto observei que era uma procura em vão. Até a porta da estufa eu abria e eles entravam, davam voos rasantes, mas nenhuma piscadela vinha do chão ou de alguma folha. As fêmeas não tem asas... Por isso sobem em algum galho, alguma folha para facilitar a procura.
 
Os vagalumes desistiram de sobrevoar o horto, voltei a deixar as luzes acesas, mas no Dia dos Namorados, a lua bem no alto da cabeça, vi uma luz verde vinda de um penacho de coqueiro adolescente. Era uma fêmea de vagalume. Voltei a navegar às escuras. A luz dela ficou mais verde. Às vezes fico imaginando se a sarça ardente que não se consumia não era um bando de vagalumes perdidos no deserto e que Deus se aproveitou dessa maravilha de algumas infâncias para atrair Moisés. 
 
Outro dia na universidade ouvi uma estudante dizer que seu tio lhe trouxe do alto de um monte, pela madrugada ainda escura, um graveto aceso. Fiquei sabendo que o monte chamava-se Monte Sinai e ficava em Mesquita. Em outros montes também Deus acendia o chão, as folhas, os gravetos. Muitos evangélicos que tem o costume de passar a noite nesses montes orando, desciam glorificando a Deus, dizendo que pegavam brasa nas mãos. Brasas que não queimavam. Brasas santas. Uma noite fui a um desses montes na companhia de muitos cristãos para pegar brasas nas mãos. O monte, à meia noite, lá no alto, de fato acendeu. Muitos desencavavam as brasas e as colocavam nas mãos. Puseram brasas nas minhas, trouxeram-me graveto aceso, folhas acesas, uma maravilha terrível porque eram pupas de vagal-umes da qualidade “terrícola” cujo brilho é constante e se alimentam de pequenos pedaços de madeira, folhas... E que estavam sendo destruídas. Naquela noite, naquele alto, tão alto, pensei em desfazer o engano, mas lembrei que quase precipitaram Cristo do alto de um monte por falar certas verdades. Não desfiz o engano por questão de sobrevivência, mas agora escrevo sobre o assunto para salvar aqueles vagal-umes. Quando Deus acende um graveto, ele fica aceso no escuro e no claro e o graveto que o tio da universitária trouxe a ela, apagou quando ela acendeu a luz. Eram pupas de vaga-lumes.  
 
Mas achei que viria uma manada de vaga-lumes atrás daquela fêmea. Fiquei esperando um possível encontro naquele dia especial. Daria para escrever uma crônica. Não veio ninguém. A resposta já estava no penacho do coqueiro que apesar de adolescente estava cabisbaixo desde o primeiro piscar. A fêmea parou de relampejar e resolvi voltar para dentro e exercitar a escrita quando ao dar um passo ela piscou. Experimentei dar mais um passo e ela piscou de novo. Voltei os dois passos e estendi a mão para a folha do coqueirinho e ela desceu pelo braço, passou para a barba, chegou à minha boca, piscava e já não estava só.   

*crônica do dia 12 de junho de 2011

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