terça-feira, 17 de maio de 2011

Linha D'água

Um navio com as quatros âncoras arriadas

é um quadrúpede do mar

ruminando sorvidas águas

do hospício do luar

quem diria minha vida

de azul se equilibrar.

recolhidas as âncoras

um navio é uma serpente sem jogo de cintura

e tudo isso cabe no bucho

só não cabe que o navio

é seguro pelo empuxo

abaixo da linha d’água

são os peixes, trabalhadores,

que carregam os navios nas costas





Moça com Laranja

                                                                                              Dioniso III

vai faltar no mundo água potável

então Adriana, deixa-me ser teu Adriático

extático banhar com beijos tua boca de jambo

descer das tuas partes altas

como os extintos laranjais da minha cidade

e cobrir com uma manada de laranjas

as extensas planícies do teu ventre

branco flor de laranjeira

flor perfume para a vida inteira

passa moça no meu rosto

estas franjas e as laranjas dos teus peitos

e não te assuste os espinhos desses laranjais

só se inclinam pra pescar no poço do teu umbigo

no fundo de ti

os frutos de tua árvore submersa que em conversa não florescem

há poetas, Adriana, que saem às ruas para colher poesia das coisas

e de repente é a vida quem arranca um poema da gente

vê, a tua razão me chama de senhor

mas a emoção murmura: meu amor

e por debaixo do lençol

lá fora uivam as lobas teu bemol

ordenha, Adriana, as laranjas desse pomar

são tuas mas nem precisa

elas se derretem suco sobre ti

ordena moça

e essas loucas laranjas indisciplinadas

seguirão após ti

uma a uma

numa fila indiana

e Adriana,

deixarão de ser indisciplinadas

deixarão de ser até laranjas

mas a loucura por ti

é incurável




segunda-feira, 16 de maio de 2011

Yoga

boquiaberto

com a técnica oriental

de se olhar por dentro

o capitalista percebeu que tinha coração

e assim começou a venda de órgãos

Vigia de Mar

 


eu jogava tintura Márcia

no bigode branco do navio

e o tempo passava ao largo

distante da proa e de mim
 
 

À maneira de Fernando Pessoa

do bolo desta vida

nunca se quer o pedaço pequeno

mas do bolo desta vida

sempre me deram o pedaço pequeno

e por que nessa vida um tem que ficar

com o pedaço pequeno?
 
do boldo dessa vida

sempre me deram o pedaço grande

embora eu preferisse

o pedaço pequeno

Dioniso II

uso sapatos até serem navios adernados

- dói a coluna

mas preciso da certeza de que em mim

a poesia caminhou

Dioniso

                                                          
meus olhos são dois cavalos rebeldes

que de repente disparam pra longe

e regressam com as patas sujas de versos

CANÇÃO PARA ISABEL E BEIJA-FLOR



um dia em que não precisava estar ligado o ar

a biblioteca abriu as janelas e por uma delas entrou um beija-flor.


pousou sobre Pablo Neruda 20 Poemas de Amor e Uma Canção
Desesperada.

tivesse cérebro o beija-flor, Isabel, teria vindo àquela noite de inverno e pousado em Neruda,

mas teria vindo nessa primavera

em que as mangas se arredondam do tamanho dos teus seios
e o rastejante lodo sobe as árvores para vê-la

dos vários pontos de vista deslizando entre as estantes.

teria vindo hoje, Isabel

e pousado nos teus lábios cheirando a flor

e teu riso progrediria como obra de uma igreja pobre

Fósforo

o fósforo brilha porque se rala na aspereza

embora andando na Presidente Vargas

e avenidas do meu país

vejo fósforos

que ralam ralam na aspereza e não brilham

não conseguem sair da caixa

e dos que saem

muitos se quebram no caminho

perdem a cabeça

em vez de para a frente ralam-se para trás

ou não se mantêm longe da umidade

como recomenda a caixa

ah, fósforos!

que por ficarem perto do calor brilham cedo demais!

existe a hora para um fósforo brilhar...

existe a hora para um brilhar?
 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

governo rosa: uma anilina no salário

Constrangedor... Com esse salário só dá para entrar no botequim e dar de cara com aquele ovo rosa e aquele torresmo cabeludo na vitrine, reclama Alessandra. Quem entrou na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, deu de cara com um palíndromo. Palíndromo é a frase ou palavra que se pode ler,indistintamente da esquerda para a direita ou vice-versa. Vem do grego palíndromos: que corre em sentido inverso, que volta sobre seus passos. “Roma me tem amor” é um dos muitos exemplos que temos. O palíndromo também é verificável em outros línguas: “nun” na alemã. A frase “A mala nada na lama” de Millor Fernandes é um palíndromo; a palavra ovo é outro palíndromo. Agora o ovo rosa de anilina que vende nos botequins é palíndromo duas vezes: ovo e anilina. Isso não é aumento, é uma anilina no salário. Mas não é só frase ou palavra que podem ser palíndromos. A vida tem os seus palíndromos. Veja-se o caso de Senaqueribe que seguiu caminho para invadir Israel e voltou pelo caminho que veio, conforme a profecia do profeta Isaías em 2 Reis 19: 28: “...porei o meu anzol no teu nariz, e o meu freio na tua boca, e te farei voltar pelo caminho por onde vieste.” Há muita gente por aí, dando dois passos para a frente e dois para trás. Toda a minha vida foi um palíndromo. Os números também podem ser palíndromos. O número 242 é palíndromo. Na verdade eles chamam não de palíndromo, mas de capicua. Entanto, são nomes diferentes para um mesmo fenômeno. Carmen Miranda morou no número 13 da Travessa do Comércio e encostado ao sobradinho em que ela morou, outro sobradinho tem o número 11, esse é palíndromo, pois tanto faz entrar na Travessa do Comércio pelo Arco do Teles, na Praça XV, como pela Rua do Ouvidor que o 11 será sempre 11. Mas o caso do novo salário mínimo, 545, aprovado pela Câmara de Gás, digo, de deputados, para desfelicidade do trabalhador é um palíndromo. Tanto faz ler da esquerda para a direita como da direita para esquerda que o salário vai continuar na mesma: 545. Há os que disseram que esse palíndromo de 545 não coloca em risco a economia do país; outros disseram que é o que é possível dar. Pois me deram um palíndromo. Uns dizem que o palíndromo é inútil, outros que o palíndromo facilita a memorização. Se facilita, o trabalhador nunca mais vai esquecer esses: R$545. O governo já começa marcando a história desse país, pois nunca tivemos um palíndromo como salário nem um governo rosa. Já a anilina é nossa velha conhecida. O governo tinha como dar mais do que um palíndromo aos trabalhadores. Neste século XXI, não se pode mais ficar restrito ao orçamento anual para dar aumento de salário, temos que levar em conta o orçamento PIB + inflação, somado aos bilhões da corrupção em nível federal, estadual e municipal. Temos que ser pragmáticos... Há outra analogia entre o palíndromo e o novo mínimo: o constrangimento. O palíndromo faz parte de uma técnica literária cujo nome é escrita constrangida, isto é, não pode fugir ao padrão determinado e o mesmo se dá com a votação desse novo salário, não pode passar de 545. A diferença é que na literatura constrangida, os constrangidos são aplaudidos, na política são vaiados. Rômulo Marinho, palindromista brasileiro, propõe classificar os palíndromos em Expliciti, Interpretabiles e Insensati. Expliciti são palíndromos que trazem uma mensagem direta, clara inteligível, “socorram-me, subi no ônibus em marrocos”; Interpretabiles são palíndromos que têm coerência, mas requer esforço intelectual do leitor para serem entendidos com "A Rita, sobre vovô, verbos atira."; Insensati são palíndromos que apenas unem letras ou palavras sem levar em conta o sentido. Olé! Maracujá, caju caramelo. Com esse palíndromo que o governo obriga o trabalhador a receber, penso que deveríamos acrescentar à classificação de Rômulo Marinho uma nova classificação para os palíndromos numéricos como este de 545: palíndromo ridiculus. É palíndromo ridiculus se comparado aos bilhões que correm no mundo da corrupção; é palíndromo ridiculus se comparado aos vencimentos daqueles que podem aumentar seus próprios salários, protegendo-se da inflação. Quem disse que ela acabou? Na vez do povo: palíndromo ridiculus. É irresponsabilidade fiscal. A votação na câmara seria palindrômica se a vitória dos 545 fosse por 333 ou 353 ou 363 ou 444 votos, mas foram 361 votos a 120, rejeitando os R$560 e 376 rejeitaram os R$600. Se bem que poderíamos obter um palíndromo a partir destes 361 e 376, contudo, teríamos que fazer umas continhas e aqui não é matemática, é Literatura. Dependendo do cronista, crônica é Literatura.
Olhando essa lista de votação do novo mínimo na internet, vejo nomes de dois Palíndromos que votaram a favor do palíndromo 545: Ana e Natan. Pois é... Algo melhorou nesse país, na ditadura era “Prendo e arrebento”, agora é a Palindromocracia ou A Era dos Contrangimentos. Para quem acompanhou aquela votação cabeluda, um torresmo cabeludo não é nada mal... Vai um torresmo cabeludo?!

domingo, 8 de maio de 2011

Inefável

O impossível coice de um cavalo-marinho

Abriu a ostra onde havia pérola

E se eu não tivesse naufragado

Jamais veria esta cena

E não teria este colar de ilusões

Para aliviar a aspereza destas noites nervosas em que o

poema não vem

Ou rebenta ao mínimo ruído como se fosse solitária

E o que deveria ser tudo metros mais de quinze

No papel é pouco milímetros quase nada

E em mim fica presa uma enorme madrugada

Inefável indizível cá por dentro deformada

El hombre de las manos brillantes

                                                                                                                            à Julia Liers


como una rebaba de un engarce

que prende las piedras preciosa

quiero prenderte en mis versos

porque rebaba no es sólo el sobrante

mas dedos que se doblan

sobre la piedra preciosa para prenderla

tú eres una piedra preciosa

y quiero doblar mis dedos sobre ti

y yo seré el único en ese mundo

a tener una estrella en un engarce

una estrella de cabellera negra


una estrella que baja a los más humildes versos para leerlos


una estrella que dejará mis dedos se doblaren sobre ella

una estrella que se agregó a su engarce


como una espada cuyo puño camina junto y lejos de la punta

como un barco cuya proa y popa están juntas y alejadas

pocos son barcos y espadas singlando por las tardes

pero nosotros caminaremos

barco espada

nao y capitán

dígrafo inseparable                                                  

y yo seguiré así, cariño:

con estos dedos que te prenden y hacen versos

con mis manos brillantes sólo de tocar en ti

Conciso

o poeta no supermercado

empurra um carrinho vazio

entre gôndolas verdes

na esperança de que ao menos uma faça bem aventurada.

porém, obediente aos tempos difíceis

o poeta não esbanja economiza

e sem ser avarento

vai empurrando o carrinho

atropelando a lógica

sentindo a emoção e a força de empurrar o vazio

este substantivo abstrato

tão concreto dentro de mim

Separação de sílabas




na sala de aula

quando a professora perguntava

como era a minha família

eu dizia que era um tritongo

havia cigarra

dançávamos jongo

mas a mãe se foi

a cigarra morreu

a dança acabou

a tristeza invadiu

meu pai e a mim

e viramos ditongo

mas veio a madrasta

que teve três filhos

me jogou num hiato

e fiquei feito um i

em ICARA-í

à Júlia Liers





                                                                                                   




Tarde de transfusão

que para não te espantar

virava garça

e a mão

um ancinho de ternura

saneava palavras a serem ditas

e juntava teus cabelos num canto do ombro

para beijar-te no pescoço fingidamente desnudo

um jardim em estado líquido gasoso

enquanto o rio associado aos teus lábios de batom

incendiava-se de flamboyants

transbordando um vermelho varrido pelos olhos

para dentro de um peito sem sangue

e a vida refluía

e eu voava

capinava peixes no rio

e por mais que os arrancasse pelas raízes

feéricos

renasciam feito capim

feito um sonho


Epifania


                                


                                            (2ª intuição)

uma fúria suave de buganvílias oferecendo-se às calçadas

por entre as grades das casas pelas tardes de inverno

buganvílias de ramos arqueados e retos

e passa a menina enamorada

e o rapaz lhe põe um cacho no cabelo

passa outra menina e se fotografa ao lado delas

os meninos as levam ao pique-bandeira:

bandeira branca, lilás, salmão, alaranjada...

do alto a garça crepuscular, visão binocular
da paisagem se alimenta.
tardes de inverno

por que logo hoje para fora das grades

esse único e reto ramo de buganvília vermelha

uma espada ensangüentada

que acabou de sair do meu peito?


Epifania




uma fúria suave de buganvílias oferecendo-se às calçadas

por entre as grades das casas pelas tardes de inverno

buganvílias de ramos arqueados e retos

e passa a menina enamorada

e o rapaz lhe põe um cacho no cabelo

passa outra menina e se fotografa ao lado delas

os meninos as levam ao pique-bandeira:

bandeira branca, lilás, salmão, alaranjada...

do alto a garça crepuscular, visão binocular
da paisagem se alimenta.
tardes de inverno

por que logo hoje para fora das grades

esse único ramo de buganvília vermelha

reto como uma espada ensangüentada

que acabou de sair do meu peito?

teclas

Uma mulher carrega teclas escondidas sob a pele
e exala música se tocada com ternura

tobogã

Meus olhos são dois meninos
                       
brincando de escorregar das

Tuas


            Espáduas

                             Seios
                                       

                                                      Até    

                                                

                                                                             Os                  


                                                                      
                                                                                                           Pés

Minha avó

Eu nunca vou me esquecer

Do negro tirando o olho da cana

E o branco arrancando o olho do negro

Do negro tirando o branco da cana

E o branco arrancando o branco do negro

Do negro querendo o olho na cama

E o branco arrancando o sono do negro

Do negro pegando um pouco de cana

E o branco arrancando os dentes do negro

Do negro gemendo moenda de cana

E o branco sorrindo do canto do negro

Do negro pedindo um pouco de chama

E o branco tostando a pele do negro

Da negra e avó deitada na cama

E o branco e avô batendo na negra

Da negra doente saindo pra rua

E o branco e avô saindo pro bar

Da negra e avó caindo na rua

E o branco e avô caindo no bar

Da negra e avó dormindo na rua

E o branco Joaquim dormindo no bar

Da negra e avó despertando na lua

E o bronco Joaquim esperto no bar
À maestra Patrícia Aniceto



tu nombre tatué en el águas del mar
     
y para verlo

piso en el águas cómo quien pisa en un botón

y un pelotón del caballos-marinos si yerguen

cómo un pelotón eléctrico

y en sincronía boya tu nombre coloreado

ni erguido ni arqueado mas erecto

caballo-marino

porqué la vida es para ser erecta

un nombre cubierto de azul de algas y sol

y que dejan los pájaros de bucear en el águas del mar

para tuyo nombre deletrear en los altos cielos a sus hijos

tuyo nombre subrayado de piscis rojos

un nombre que es mi pátria:

Patrícia

y si en breve Patrícia

tú pisar en el águas

y tu nombre no boyar más

yo no dejé de te amar

fueron ellos que mataran los caballos-marinos